quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Espelhos das minhas mãos

O meu querido Bisavô Pires escreveu muitos textos que tive o prazer de encontrar escritos pela sua mão, e que hoje conservo para que os meus filhos, netos, bisnetos e por aí adiante possam "conhecer" um homem maravilhoso que deixou e ainda deixa muita saudade.
Aqui fica a minha homenagem:

“Metalúrgico de profissão, ao fim de 60 anos de trabalho e pouco mais de 70 anos de idade, lembrei-me das minhas mãos”

Já as tive muitas vezes limpas
Mas sempre ásperas, calosas.
E nunca nelas me mirei!
Só quando as tenho enodoadas,
Gordurentas ou feridasÉ que olho para elas!...

As minhas pobres mãos!
Já lhes curei enormes feridas,
Golpes profundos que sangraram
Abundantemente.
Que satisfação quando curadas
Usá-las novamente
Tê-las sujas com nódoas do meu trabalho.
Limpá-las só, sem as lavar muitas vezes,
Para apertar com elas a amizade
E outras vezes a desdita….!
As minhas pobres mãos!
Com elas ganho amido
O pão de cada dia.
E é já longa a minha jornada,
Com estas mãos ásperas, calosas.
Com elas limpas,
Tão limpas como a alma
Apertei eu a mão,Da mãe de meus filhinhos.
Que ditosas foram nesse dia
As minhas mãos!
E com elas muitas vezes por limpar,
Sujei eu as facezitas rosadas
De meus filhos
E pode parecer estranho…
Mas eu sentia as minhas mãos alegres!
É que elas sabiam, que eles,
Por elas recebiam
O pão e o carinho
As minhas mãos…!!!
Nunca as deixei sujar
Nas nódoas que não saiem
Nem elas me tremeram,
Por receio.
Conservo-as limpas, mutiladas,
Como medalhas que premeiam o esforço
São elas ainda quem me obriga
A ter de usá-las
Constantemente
Elas não querem repousar…
Teimosas mãos, ásperas, calosas.
Mãos que são o meu destino!
Com elas assim endurecidas,
Quase nem sinto o que elas fazem
Sempre as estendi com lealdade
Sempre as recolhi com gratidão.
Sempre as usei por necessidade
E raramente as estendi pedindo!
Com a ajuda delas, já ajudei bastante.
Aos meus e a outros, também precisados.
Com que alegria elas o têm feito!
Mãos?...
Vi-me hoje nas tuas cicatrizes
E senti que me tremeram!
Porquê?
Sim
Tremeram-me as minhas mãos!
Elas tiveram medo, porque estavam limpas
E a pele áspera, já não é tão dura.
Tive de as consolar dizendo:É que vão sendo horas, de repousar também!,..
Se as minhas mão soubessem
Porque razão tremeram…
Minhas pobres mãos!
Daqui para diante, haveis de tremer mais.
E a pele áspera vai desaparecendo
E os calos acabam por acabar também
E quando forem limpas
Talvez cuidadas,
Muitos poderão ver
Que das mutilações sofridas
Ficaram os sinais
Duma vida de trabalho.
Inertes agora…
Pousadas sobre os joelhos
Com elas vem brincar
Mãozitas finas
De adoráveis crianças,
Que se riem de ver tremer,
As mãos de seu avô…
Pobres mãos as minhas!
E um dia…Paradas…
Gélidas pelo frio,
Que as estabilizou…
Repousam sobre pontas!
Estão-me sobre o coração
Que parou também
Outras mãos piedosas
Compadecidas
Cuidavam de as aconchegar no peito
Que tanto delas se orgulhou
As minhas mãos da Vida
Não me abandonaram!..
Nem mesmo para além da morte.

José Pires

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