segunda-feira, 19 de maio de 2014

SAUDADES

Estou no Japão em trabalho, parti no Domingo às 14:25 de Lisboa e cheguei a Tóquio às 18:00 locais (mais 8 horas que em Lisboa). Mais de 18 horas de avião, escalas, aeroportos, autocarro do aeroporto para o Hotel.

E perguntam-me o que isto tem a ver com saudades?

 

....Tem tudo! Só regresso a casa no sábado e até lá, com esta diferença horária, não consigo skypar (vídeo conversação via Skype) com os meus filhotes....e essa saudade “mata-me”! Eles ainda não entendem muito bem o sentimento da saudade, essa palavra tão portuguesa que traz tanto sentimento junto....Mas eu sinto! Por eles e por mim!

 

Quando se despediram de mim apenas disseram “Pai, não se esqueça de me trazer a camisola da Selecção Nacional do Japão!” enquanto eu pensava “Vou ter tantas saudades tuas meu querido!” mas em vez de dizer isso, perguntava: “E qual o nome que queres que coloque nas costas?” “Pode ser de um jogador qualquer...”

Eles ainda não sentem....mas eu sinto!!!

 

Saudades..... a partir de que idade começamos a sentir verdadeiramente esse sentimento tão verdadeiro?

 

Tenho um amigo que é um exemplo puro do que é sentir saudades.....2 vezes por ano a malta da velha guarda reúne-se ao fim de semana, em Porto Covo ou Portimão para uma confraternização....e ele no inicio vinha na Sexta-feira e voltava no Sábado...

 

Perguntávamos “porque te vais embora tão cedo?”, “fica até amanhã com a malta!”....

....e ele simplesmente respondia “não consigo estar tanto tempo sem ver a minha filha” 

Brincávamos com ele “és um menino!” mas no fundo eu entendia esse sentimento tão único que só é aliviado com o regresso a casa, o mais depressa possível. Agora o coração já aguenta a “separação”..

 

E hoje, anseio pelo regresso no sábado!! Espero que eles estejam no aeroporto à minha espera, ou à espera das camisolas do Japão! Mas não faz mal! Eu “mato” as saudades! Por eles e por mim!!

 

Há um filme fabuloso que começa e acaba com os reencontros que acontecem num aeroporto. Chama-se “O Amor Acontece” tradução do inglês “Love Actually Happens”. Chorei e não tenho vergonha de o dizer. A felicidade de um reencontro de alguém que não se vê há muito ou pouco tempo é sempre emocionante.

 

No sábado lá estarei para matar as saudades da minha rainha, da minha princesa e dos meus dois príncipes terroristas...Só não sei se vou chorar ou não....(sou um lamechas eu sei, mas vem de família).

 

Sim, também eu não aguento muito tempo sem ver as mil e uma faces do meus filhos: ora a rir, chorar, a fazer beicinho, a fazer birras....Tenho muitas saudades deles, até das birras!!!

 

Sayōnara!! E até sábado meus amores.


Tokyo, 19 de Maio de 2014

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Um Pai moderno sabe “estrelar um ovo”

Sou um pai moderno, sinto-me um pai moderno., com virtudes e defeitos. Sim leram bem, tenho defeitos. Quem tem “terroristas” em casa sabe do que falo.

 

Mas o que é ser um Pai moderno?

 

Sei, pelas minha avós que no seu tempo o pai trabalhava o dia inteiro e a mãe ficava em casa, cuidando dos rebentos, mudando fraldas atrás de fraldas durante anos a fio. Sim nessa altura as famílias eram numerosas (mesmo sem os “incentivos” que há hoje, se é que os há verdadeiramente, mas sobre essa temática falarei noutra crónica...) e a casa estava sempre cheia.

 

Choros, fraldas de pano a secar no estendal juntamente com roupa, muita roupa que ia passando de irmão para irmão, de irmã para irmã, muita louça para lavar, camas para fazer, muitas histórias para adormecer...e mais tarde os choros são lentamente substituídos por risinhos, jogos, discussões de gente que está a crescer entre outras...

 

E o pai, supostamente, não participava nessas tarefas! Não mudava fraldas, não lavava nem estendia roupa, não fazia camas, no fundo “não sabia estrelar um ovo”. Era o patriarca da família e tinha esses “privilégios”.

 

Hoje em dia, a figura patriarcal continua a existir mas foi substituída por um pai moderno, e eu sinto-me um pai moderno. 

 

Mudei muitas fraldas, aturei muitas birras (ainda hoje aturo), contei e ainda hoje conto histórias de adormecer e sei estrelar um ovo! Porque tem de ser assim, porque quero que seja assim. Quero estar presente em todos os momentos da vida dos meus filhos e acho que todos os pais o devem fazer.

 

Famílias numerosas são cada vez menos numerosas, fruto da instabilidade social que vivemos, das opções de carreira da mãe, do pai, que são totalmente válidas. 

 

Mas acredito que uma família deveria ser numerosa! Casa cheia, com muitos choros, birras, roupa estendida, discussões, guerras...

 

...Mas acima de tudo muitos ovos estrelados! Pelo pai!!


Lisboa, 12 de Maio de 2014

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A Herança de um Pai

Texto escrito para o projecto SUPA WOMAN, a convite da minha querida Amiga Catarina Castro

5 de Maio de 2014

Geneticamente somos 50% da parte da mãe, 50% da parte do pai. E essa herança ninguém nos tira.

Ouvimos durante anos

“És a cara do teu pai!”

“Tens os olhos da mãe!”

“És teimoso como o teu pai!”

“Herdaste a beleza da tua mãe!”

 

 E isso de facto ninguém nos tira!

 

E desde que sou pai comecei a ouvir:

“Os teus filhos são as tuas cópias!”

“Onde arranjaste a Xerox?”

“Não são filhos do padeiro de certeza”

 

Mais recentemente, ouvi, e isto enche-me de orgulho:

“Pai! Tal como o Pai fez, um dia gostava de fazer o Caminho de Santiago em bicicleta consigo! Ainda falta muito?”

 

E o que herdamos verdadeiramente dos nossos pais?

 

São os valores que nos transmitem, a educação que nos deram, os exemplos que nos dão no dia a dia. E quem é pai sabe que as crianças são “esponjas” que absorvem tudo! O bom e o menos bom que os pais têm. Sei disso porque sou pai e por vezes sinto que estão a ouvir e processar tudo a uma velocidade louca. E acreditem! Todo o cuidado é pouco!

 

Eu sou a cara do meu pai, tenho a voz do meu pai (a minha mãe que o diga, que muitas vezes ligava para casa e confundia a voz) e herdei muita coisa dele.

 

Economista de profissão, grande jogador de andebol, grande cozinheiro, louco por música e escritor nas horas vagas

 

Os números não me ficaram nos genes, o andebol foi a minha grande paixão até aos meus 26 anos, altura que tive uma lesão e “aproveitei” para deixar de jogar e começar a aproveitar os fins de semana com a namorada e os amigos.

 

A música!

Ele é o meu guru! Está sempre à frente das tendências, muito antes de serem “moda” de rádio. Está sempre a actualizar-me e os nossos olhos brilham a cada som novo que ouvimos. É a ele que devo toda a cultura musical vasta que ouço todos os dias!

 

A cozinha!

Gosto de cozinhar (os meus amigos dizem que faço a melhor lasanha do mundo).

Mas como o meu pai só começou a ser Chef a partir dos 45 anos, ainda vou a tempo.

 

A escrita tem vindo a “aparecer” na minha vida a pouco e pouco, apesar de achar que ainda estou longe (se é que algum dia o serei) de ser “escritor” tenho nas minhas veias sangue de um grande escritor desconhecido, que foi Pai, que foi Avô e Bisavô e seria o Trisavô dos meus filhotes se ainda fosse vivo.

 

Falo do meu Bisavô Pires e deixo aqui uma merecida homenagem a um homem simples, honesto, trabalhador, amante do seu próximo, Pai de família, um Super-Pai protector da sua família que deixou um legado enorme...

 

Deixo-vos um pequeno texto, que fala das mãos, das mãos que embalam, que cuidam dos filhos, das mãos que trabalharam anos a fio para poder dar conforto, saúde e felicidade aos seus filhos.

 

Espelhos das minhas mãos – Luanda 1960

 

“Metalúrgico de profissão, ao fim de 60 anos de trabalho e pouco mais de 70 anos de idade, lembrei-me das minhas mãos”

 

Já as tive muitas vezes limpas

Mas sempre ásperas, calosas.

E nunca nelas me mirei!

Só quando as tenho enodoadas,

Gordurentas ou feridas

É que olho para elas!...

As minhas pobres mãos!...

 

 

…Com estas mãos ásperas, calosas.

Com elas limpas,

Tão limpas como a alma

Apertei eu a mão,

Da mãe de meus filhinhos.

Que ditosas foram nesse dia

As minhas mãos!

 

E com elas muitas vezes por limpar,

Sujei eu as facezitas rosadas

De meus filhos

E pode parecer estranho…

Mas eu sentia as minhas mãos alegres!

É que elas sabiam, que eles,

Por elas recebiam

O pão e o carinho

As minhas mãos…!!!

 

Nunca as deixei sujar

Nas nódoas que não saiem

Nem elas me tremeram,

Por receio.

Conservo-as limpas, mutiladas,

Como medalhas que premeiam o esforço

São elas ainda quem me obriga

A ter de usá-las

Constantemente

Elas não querem repousar…

Teimosas mãos, ásperas, calosas.

Mãos que são o meu destino!

Com elas assim endurecidas,

Quase nem sinto o que elas fazem

Sempre as estendi com lealdade

Sempre as recolhi com gratidão.

Sempre as usei por necessidade

E raramente as estendi pedindo!

Com a ajuda delas, já ajudei bastante.

Aos meus e a outros, também precisados.

Com que alegria elas o têm feito!

Mãos?...

Vi-me hoje nas tuas cicatrizes

E senti que me tremeram!

Porquê?

Sim

Tremeram-me as minhas mãos!

Elas tiveram medo, porque estavam limpas

E a pele áspera, já não é tão dura.

Tive de as consolar dizendo:

É que vão sendo horas, de repousar também!,..

Se as minhas mão soubessem

Porque razão tremeram…

Minhas pobres mãos!

Daqui para diante, haveis de tremer mais.

E a pele áspera vai desaparecendo

E os calos acabam por acabar também

E quando forem limpas

Talvez cuidadas,

Muitos poderão ver

Que das mutilações sofridas

Ficaram os sinais

Duma vida de trabalho.

Inertes agora…

Pousadas sobre os joelhos

Com elas vem brincar

Mãozitas finas

De adoráveis crianças,

Que se riem de ver tremer,

As mãos de seu avô…

Pobres mãos as minhas!

E um dia…

Paradas…

Gélidas pelo frio,

Que as estabilizou…

Repousam sobre pontas!

Estão-me sobre o coração

Que parou também

Outras mãos piedosas

Compadecidas

Cuidavam de as aconchegar no peito

Que tanto delas se orgulhou

As minhas mãos da Vida

Não me abandonaram!..

Nem mesmo para além da morte.

José Pires

 

E esta herança ninguém me tira!