segunda-feira, 5 de maio de 2014

A Herança de um Pai

Texto escrito para o projecto SUPA WOMAN, a convite da minha querida Amiga Catarina Castro

5 de Maio de 2014

Geneticamente somos 50% da parte da mãe, 50% da parte do pai. E essa herança ninguém nos tira.

Ouvimos durante anos

“És a cara do teu pai!”

“Tens os olhos da mãe!”

“És teimoso como o teu pai!”

“Herdaste a beleza da tua mãe!”

 

 E isso de facto ninguém nos tira!

 

E desde que sou pai comecei a ouvir:

“Os teus filhos são as tuas cópias!”

“Onde arranjaste a Xerox?”

“Não são filhos do padeiro de certeza”

 

Mais recentemente, ouvi, e isto enche-me de orgulho:

“Pai! Tal como o Pai fez, um dia gostava de fazer o Caminho de Santiago em bicicleta consigo! Ainda falta muito?”

 

E o que herdamos verdadeiramente dos nossos pais?

 

São os valores que nos transmitem, a educação que nos deram, os exemplos que nos dão no dia a dia. E quem é pai sabe que as crianças são “esponjas” que absorvem tudo! O bom e o menos bom que os pais têm. Sei disso porque sou pai e por vezes sinto que estão a ouvir e processar tudo a uma velocidade louca. E acreditem! Todo o cuidado é pouco!

 

Eu sou a cara do meu pai, tenho a voz do meu pai (a minha mãe que o diga, que muitas vezes ligava para casa e confundia a voz) e herdei muita coisa dele.

 

Economista de profissão, grande jogador de andebol, grande cozinheiro, louco por música e escritor nas horas vagas

 

Os números não me ficaram nos genes, o andebol foi a minha grande paixão até aos meus 26 anos, altura que tive uma lesão e “aproveitei” para deixar de jogar e começar a aproveitar os fins de semana com a namorada e os amigos.

 

A música!

Ele é o meu guru! Está sempre à frente das tendências, muito antes de serem “moda” de rádio. Está sempre a actualizar-me e os nossos olhos brilham a cada som novo que ouvimos. É a ele que devo toda a cultura musical vasta que ouço todos os dias!

 

A cozinha!

Gosto de cozinhar (os meus amigos dizem que faço a melhor lasanha do mundo).

Mas como o meu pai só começou a ser Chef a partir dos 45 anos, ainda vou a tempo.

 

A escrita tem vindo a “aparecer” na minha vida a pouco e pouco, apesar de achar que ainda estou longe (se é que algum dia o serei) de ser “escritor” tenho nas minhas veias sangue de um grande escritor desconhecido, que foi Pai, que foi Avô e Bisavô e seria o Trisavô dos meus filhotes se ainda fosse vivo.

 

Falo do meu Bisavô Pires e deixo aqui uma merecida homenagem a um homem simples, honesto, trabalhador, amante do seu próximo, Pai de família, um Super-Pai protector da sua família que deixou um legado enorme...

 

Deixo-vos um pequeno texto, que fala das mãos, das mãos que embalam, que cuidam dos filhos, das mãos que trabalharam anos a fio para poder dar conforto, saúde e felicidade aos seus filhos.

 

Espelhos das minhas mãos – Luanda 1960

 

“Metalúrgico de profissão, ao fim de 60 anos de trabalho e pouco mais de 70 anos de idade, lembrei-me das minhas mãos”

 

Já as tive muitas vezes limpas

Mas sempre ásperas, calosas.

E nunca nelas me mirei!

Só quando as tenho enodoadas,

Gordurentas ou feridas

É que olho para elas!...

As minhas pobres mãos!...

 

 

…Com estas mãos ásperas, calosas.

Com elas limpas,

Tão limpas como a alma

Apertei eu a mão,

Da mãe de meus filhinhos.

Que ditosas foram nesse dia

As minhas mãos!

 

E com elas muitas vezes por limpar,

Sujei eu as facezitas rosadas

De meus filhos

E pode parecer estranho…

Mas eu sentia as minhas mãos alegres!

É que elas sabiam, que eles,

Por elas recebiam

O pão e o carinho

As minhas mãos…!!!

 

Nunca as deixei sujar

Nas nódoas que não saiem

Nem elas me tremeram,

Por receio.

Conservo-as limpas, mutiladas,

Como medalhas que premeiam o esforço

São elas ainda quem me obriga

A ter de usá-las

Constantemente

Elas não querem repousar…

Teimosas mãos, ásperas, calosas.

Mãos que são o meu destino!

Com elas assim endurecidas,

Quase nem sinto o que elas fazem

Sempre as estendi com lealdade

Sempre as recolhi com gratidão.

Sempre as usei por necessidade

E raramente as estendi pedindo!

Com a ajuda delas, já ajudei bastante.

Aos meus e a outros, também precisados.

Com que alegria elas o têm feito!

Mãos?...

Vi-me hoje nas tuas cicatrizes

E senti que me tremeram!

Porquê?

Sim

Tremeram-me as minhas mãos!

Elas tiveram medo, porque estavam limpas

E a pele áspera, já não é tão dura.

Tive de as consolar dizendo:

É que vão sendo horas, de repousar também!,..

Se as minhas mão soubessem

Porque razão tremeram…

Minhas pobres mãos!

Daqui para diante, haveis de tremer mais.

E a pele áspera vai desaparecendo

E os calos acabam por acabar também

E quando forem limpas

Talvez cuidadas,

Muitos poderão ver

Que das mutilações sofridas

Ficaram os sinais

Duma vida de trabalho.

Inertes agora…

Pousadas sobre os joelhos

Com elas vem brincar

Mãozitas finas

De adoráveis crianças,

Que se riem de ver tremer,

As mãos de seu avô…

Pobres mãos as minhas!

E um dia…

Paradas…

Gélidas pelo frio,

Que as estabilizou…

Repousam sobre pontas!

Estão-me sobre o coração

Que parou também

Outras mãos piedosas

Compadecidas

Cuidavam de as aconchegar no peito

Que tanto delas se orgulhou

As minhas mãos da Vida

Não me abandonaram!..

Nem mesmo para além da morte.

José Pires

 

E esta herança ninguém me tira!

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